CARTAS SOBRE O PROCESSO DOS PADRES DE NACAROA



Dos Padres da Paróquia de  S. João Evangelista de Nacaroa, em Nahage                                                                 


À Direcção Distrital de Educação e Cultura de Nacaroa  


Assunto: Preocupações em relação a EPC de Nahage


Num espírito construtivo e tendente a contribuir para correcto desempenho do sector da educação no nosso distrito, a equipa dos padres de Nahage serve-se deste meio para manifestar a sua preocupação relativa ao funcionamento da EPC de Nahage, junto da Direcção Distrital de Educação de Nacaroa. Trata-se de alguns pontos que achamos que obuscurecem um pouco o bom caminho que se poderia fazer na educação das nossas crianças, pontos que até podem ser superados se houver vontade de mudar para melhor. Devemos lembrar, antes de tudo, que a EPC de Nahage funciona em infra-estruturas pertencentes à Igreja Católica (Paróquia de Nacaroa), cedidas para uso escolar à direcção distrital da educação mediante acordo, para bem da população local. Eis os pontos preocupantes:

1.      Residência dos professores de Nahage.
Desde o ano passado (2009) que temos vindo a observar que grande parte dos professores (se não mesmo todos) afectos a EPC de Nahage não reside no local, tendo preferido estabelecer residência na vila-sede, a sete quilómetros. Não sabemos se é por total falta de condições em Nahage ou se a vila se tornou demasiado atraente! Alguns professores têm motorizada própria, e pensam que isso basta para garantir que, mesmo morando longe, estejam a tempo e hora a cumprir os seus deveres na EPC de Nahage. Não pensam, no entanto, que é um grande peso em combustíveis sobre o salário que recebem. A coisa se agrava quando até o próprio director da EPC-Nahage resolveu, a meio de 2009, abandonar a sua residência em Nahage para fixar-se na vila. Ora isto faz-se sentir negativamente na assiduidade que se espera dos alunos. De facto, muitos alunos, verificando que os professores ou atrasam ou não aparecem, acabam por também eles deixar de cumprir a obrigação de estar a tempo e hora na sala de aula.

2.      Manutenção das infra-estruturas
Tendo verificado que havia um pouco de “deixa-andar” na ordem e respeito para com as infra-estruturas (portas, janelas, bancos), contactamos por várias vezes o que era director da escola, com a observação de que na escola não se notava sequer um sinal de esforço para repor pequenos estragos que se verificam nas infra-estruturas. O nosso grande espanto foi quando o mesmo director disse que não havia verba para tais necessidades. Perguntamos o que era feito do apoio directo às escolas. Tivemos uma resposta difícil de digerir: que a Nahage tal apoio nunca chega na totalidade, e que não se podia perguntar nada à respetiva direcção distrital para não incorrer em acusações de intromissão ou de uma mentalidade da oposição. Ora porquê que a EPC não chega o apoio escolar? Onde pára esse apoio que o governo tem já destinado a todas as escolas?

3.      Guarda da escola
No fim do ano de 2008 o guarda que havia na escola, funcionário pago pelo estado, foi transferido, parece, para Nachere, com a promessa de que viria outro para o substituir. Terminou o ano de 2009 sem guarda na escola. Perguntamos ao director da escola e sempre com a mesma resposta frustrante: que tudo depende da direcção distrital, à qual ele não podia perguntar nada para não ser mal visto! E agora!? Onde pára o guarda de Nahage? Quem protege as infra-estruturas, sem guarda e com o director que não habita no local? Se havia um salário previsto para o guarda de Nahage, aonde foi parar esse salário?

4.      Curso a distância para professores
Durante o ano passado (2009) chegou-nos a alegre notícia de que Nahage seria o centro distrital para o curso a distância que visa ajudar professores a elevarem o seu nível académico. Ficamos supondo que             tal projecto era do conhecimento e aprovação daa direcções provincial e distrital. Ficamos supondo também que havia custos, material e pessoal previsto para que tudo decorresse na normalidade. O espanto e a frustração começam logo no início: aparece uma equipa de professores pedindo-nos um quadro-preto, porque era condição para tal curso poder avançar. Pouco depois outra equipa da direcção distrital veio solicitar-nos algum cimento para beneficiações da casa onde viria morar o tutor do curso. No início de 2010 é o próprio tutor que aparece pendindo apoio de material e homens para alguns trabalhos na casa que lhe foi destinada. E, para quem tem raciocínio, tudo isto cria um mal-estar, porque não se entende como é que a direcção provincial aprovou o arranque do curso sem condições no local. Outra coisa estranhíssima: a casa destinada ao tutor é a casa do director da EPC de Nahage. Onde vai agora morar este director? Qual é de facto a casa que era destinada ao tutor? Havia previsão disso?

5.      Apelo
Pedimos e apelamos vêementemente que a direcção distrial de educação e cultura tome a peito estas preocupações, fazendo uso dos seus poderes e meios para pôr no bom caminho o que anda torto na EPC de Nahage.

Nahage, 8 de Janeiro de 2010
P’la equipa dos padres
Padre Alexandre Caetano


                                                                                            (voltar ao texto síntese do processo, de 2013)

Nacarôa, 5 de Dezembro de 2011


Diocese de Nacala
Paróquia de São João Evangelista de Nacarôa


Exclentíssimo Senhor Chefe do Posto Administrativo de Nachere
Nacarôa


No espírito de paz e da liberdade religiosa consagrada na nossa constituição da república, a Paróquia de São João Evangelista de Nacarôa, aqui representada pelo Padre Alexandre Caetano, vem por este meio manifestar-lhe as seguintes preocupações:

1.      A constituição da república de Moçambique afirma que o cidadão moçambicano é livre de praticar ou não praticar uma religião (cfr artigo 54, 1).
2.      Os que livremente optam por praticar uma religião têm o direito de, nos respeito das leis do país, possuir os meios para a realização dos seus objectivos religiosos (cfr artigo 54, 3).
3.      Temos vindo a verificar com tristeza que alguns funcionários afectos a administração de Nachere (nomeadamente um tal senhor Yovilela e um tal senhor Paulo) têm andado pelas casas dos anciãos da comunidade de Nachere, Phomoelani, Revarevani, Namithale (para só referir os casos do ano 2011), exigindo 50MT como cobrança duma suposta taxa por ritos religiosos cristãos realizados nessas comunidades.
4.      Ora os cristãos são também cidadãos moçambicanos. Têm a obrigação de obedecer as leis do país. Pedimos, por isso, que seja clarificado se existe uma lei do estado moçambicano que estabelece taxas a pagar pelos ritos religiosos realizados pela Igreja.
5.      Ou será que essa taxa vigora só em Nachere? Quem a estabeleceu? Qual é a sua intenção?
6.      Parece-nos que estas cobranças estão simplesmente a reeditar costumes coloniais em que os chamados ritos de iniciação tinham virado negócio dos régulos.
7.      A Igreja, em todos os seus ritos e práticas, não tem fins lucrativos: porquê deve ser cobrada por estar a educar os seus crentes na fé?
8.      Se há uma lei que os cristãos católicos violam por serem cristãos ou por seguirem as obrigações da sua fé, sejam notificados, nos termos da referida lei violada, os representantes da Paróquia de Nacarôa que são os padres residentes em Nahage.
9.      Pedimos que o governo local seja um instrumento de paz: a Frelimo lutou para acabar com o colonialismo português e acabar com a exploração do homem pelo homem: o que é isto agora de se começar a ameaçar os crentes com exigências de taxas pelos seus ritos religiosos?
10.  Se os cristãos continuam a ser ameaçados com cobranças pouco claras, pedimos que lhes seja indicado um território onde possam ir viver e praticar livremente a sua religião, e obedecer as leis que realmente o estado estabelece.
11.  Pedimos um pronunciamento-resposta do governo do posto administrativo de Nachere sobre esta nossa carta.

Com os nossos votos de bom trabalho, no ano Samora Machel .
Que Deus vos abençoe.
Nacarôa, 05 de Dezembro de 2011

Padre Alexandre Caetano

                                                                                             (voltar ao texto síntese do processo, de 2013)


Nahage, 8 de Fevereiro de 2012

Paróquia de São João Evangelista de Nacarôa
Tel 827513737
NACAROA


Ao  Governo do Distrito de Nacaroa



Senhor Administrador do Distrito de Nacarôa
Senhor  Secretário Permanente

Excelências
Ao decorrer o segundo mês do ano 2012, serve a presente carta para, primeiro, saudarmos o nosso governo distrital de Nacaroa, nos seus diversos componentes, sectores e instituições, ao mesmo tempo que invocamos do Santo Deus o dom da Sabedoria e da Luz celestial, para que os nossos dirigentes locais nos saibam guiar pelos difíceis caminhos do progresso sócio-económico e de combate aos males originados pela pobreza extrema.
Saudamos sobretudo o já iminente advento da energia de rede nacional, facto que, a consumar-se, virá seguramente dar uma nova dinâmica ao nosso distrito.
Segundo, enquanto representantes duma instituição religiosa com grande presença no território distrital, e enquanto cidadãos preocupados não só com o bem material do nosso povo, mas também com o seu bem espiritual, é-nos inevitável lançarmos um olhar pelos grandes desafios que o nosso distrito nos coloca. Sim, ao lado de evidentes sinais de progresso nas mais variadas áreas da vida social, não podemos não manifestar com apreensão aquilo que nos parece apelar para a nossa comum atenção. Se Nacaroa, evidencia sinais de crescimento, seja em termos demográficos como em termos de instituições educativas, ou de empreendimentos comerciais, mostra também o seu lado sombrio, nomeadamente quanto aos pontos negros para cuja iluminação urge a nossa comum colaboração com as instituições estatais vocacionadas para o efeito.
Para sermos mais concretos, passamos a inumerar alguns desafios, que, achamos, não se podem contornar nos actos governativos.

1.      O Problema da fome. A sabedoria bíblica diz que, para o ser humano viver, as primeiras coisas são água, pão, vestuário e uma casa para abrigar a própria nudez (Ecle. 29, 30)! O ano agrícola 2011 foi terrível. Disso podem bem pronunciar-se os técnicos distritais da agricultura. As últimas chuvas em 2011 caíram em Abril. Este ano, 2012, as primeiras sementeiras aconteceram nos finais de Dezembro. Ou seja, passaram 8 meses sem chuvas, e as escassaz colheitas de 2011 seguramente não resistiram. A agravar a situação foi o início tardio das chuvas nesta campanha, e o facto de que do dia 28 de Janeiro não chove em grande parte do distrito, o que piora o desespero do povo.
Sobre o problema da fome, nós temos um testemunho desolador. De Dezembro a esta parte, temos tido uma média diária de 70 pessoas esfomeadas que buscam comida na Missão, mediante algum trabalho. O que pedimos e esperamos do nosso governo local é que o assunto da fome não seja relegado para segundo plano. Haverá que se prever algum plano de contingência para socorrer a gente, pelo menos em sementes de produtos de maturação rápida. É que esta situação de fome, irá, come se sabe, reflectir-se concretamente nos já problemáticos efectivos escolares.
Além do problema da chuva, haveria que encontrar uma maneira (moderadamente coerciva, se for necessário) para pôr a trabalhar toda aquela multidão de jovens a jogar mpale e cartas na vila, toda a manhã, sem qualquer ocupação rentável, a espera sim de roubar aos infelizes que se aproximem.

2.      O problema habitacional. Não estamos a falar das habitações em si mesmas. Queremos é falar da maneira como o povo vive em termos geográficos. Com muita dor, temos verificado no terreno que o povo voltou a viver onde lhe apetece. Talvez pela necessidade de procurar terras férteis, o povo está a espalhar-se pelas florestas, vivendo às vezes em sítios de dificilíssimo acesso. Ora, isto levanta outros problemas colaterais, a saber:
a)      Como é que o governo poderá espalhar os serviços públicos/sociais para todas as matas e campinas? Será possível que o governo mande constuir escolas ou fazer furos de água ou construir postos de sáude em todas as esquinas? Claro que não!
b)     O efeito negativo desta maneira desordenada de viver é: muitos cidadãos ficam fora do raio de acesso a escola, ao hospital e a água potável.
c)      Não seria possível o governo estabelecer áreas para residir, onde se tentaria pôr escola, furos de água, algum posto de saúde?
d)     É que a continuar-se nesta desordem do cada um vive onde quer, não tardará que algumas escolas de alvenaria, e até elevadas ao escalão EPC, venham a fechar por não ter crianças em número suficiente (vejam-se os casos de Nacuaia e Mugela!).
e)      Por outro lado, dada a distância que os separa da escola, e sendo necessário atravessar rios e matas inóspitas, muitas crianças não podem começar a escola na idade prevista (6/7 anos): e fora da escola, tornam-se presas fáceis dos casamentos prematuros.

3.      A instabilidade dos efectivos escolares. Para já, sabemos que há muitas crianças sem acesso a escola, seja pela incúria dos pais, seja por estarem a viver muito longe da escola mais próxima. Isto é grave. Mas mais grave ainda é o problema do abandono escolar. Com os nossos olhos, temos verificado que há muitos alunos a inscreverem-se no início do ano. Pouco a pouco, este grande efectivo começa a definhar, e um golpe fatal é dado com a festa do 1 de Junho e com as interrupções escolares. A partir daí, os efectivos das turmas começam a ficar pela metade. Sabemos que para isso concorre também o problema da pobreza, isto é: a meio do ano, quando a escassez da comida e da água se agudiza, alguns pais preferem que as crianças de ocupem mais destas necessidades em detrimento da escola. Mas não é só isso. É que alguns pais são inconstantes no seu propósito de levar os filhos a escola.
Ora, sendo que o analfabetismo é um mal que compromete o futuro de um país e de uma sociedade, como se poderia encontrar um mecanismo coerciso que ajudasse os pais a levarem a sério a obrigação de fazer estudar os próprios filhos? Se isto não é possível fazer-se em toda a extensão territorial do distrito, não se poderia fazer exemplarmente pelo menos ao nível das sedes do distrito e dos postos administrativos?

4.      Habitação dos professores nos locais de trabalho. É coisa de domínio público o facto de que alguns (muitos!) professores não vivem perto da escola onde ensinam: ou porque alí não há habitação condigna, ou porque preferem estar na vila distrital onde as condições são relativamente melhores. É um problema de difícil solução, não obstante as graves inconveniências pedagógicas que isso origina.  Difícil porque, em termos humanos, faz pena ver um professor jogado numa palhota  de fazer chorar lá em Namizaco, sem luz, nem rede celular, nem mercado. Faz pena. Faz pena também ver muitos professores que gastam o seu magro salário em gasolinas para alimentar a mota nas suas idas e voltas a escola, da vila para Naphela, por exemplo. Faz pena ver alunos que devem esperar e até abandonarem a sala de aula, porque o professor que vive longe ainda não chegou. Problema de difícil solução, mas que nem por isso nos proibe de o pormos a mesa!

5.      Doentes. Pedimos com muita sinceridade que o nosso governo olhe com ainda maior sensibilidade esta questão. Não ignoramos a situação conjuntural e das consequentes dificuldades orçamentais. Mas nesta área gostariamos de chamar a vossa  atenção como segue:
a)      Transferência de doentes ao Hospital Central de Nampula ou Namapa. Naturalmente que devemos saudar todos os profissionais de saúde que dão o melhor de si para dignificarem a sua profissão. Mas há um facto doloroso e inegável: muitos doentes não querem ser transferidos para Nampula. O problema leva a que os nossos médicos locais estejam embaraçados. É sua obrigação levar o doente para onde possa ter a assistência que aqui não pode ter. Mas, porquê que então muitos doentes e acompanhantes são relutantes em ser lavados a Nampula? Aquilo que nos é dado a verificar é que no HCN urge alguma melhoria do ambiente: um doente transferido para ali deveria ser recebido com urgência, deveria merecer prioridade, deveria haver para isso um porta de socorros só para as ambulâncias externas, Nampula deveria saber que está chegando de tal hospital um doente com estas e aquelas necessidades. Levar um doente do mato para a grande Nampula não é brincadeira. Deve ter um acolhimento que o ajude a superar medos e preconceitos. Haveria alguma maneira de os governos distritais irem em ajuda aos nossos doentes no sentido de melhoria do ambiente entre o centro e a periferia?
Aliado a isso, está talvez a dificuldade de fazer perceber ao povo as carências dos proprios serviços distritais de saúde. Falamos aqui do problema  de falta de combustíveis, muitas vezes na hora em que há uma urgência  a transferir: o carro está mas não há gasóleo!  Isto aumenta simultaneamente a angústia de quem deve decidir a transferência e o desespero de quem deve ser transferido. Nós ignoramos  como é que estas coisas funcionam em termos orçamentais e administrativos. Somente não podemos deixar de pedir que o nosso governo local procure os melhores modos para dar resposta a esta preocupação: aqueles que tratam da nossa sáude (e sem saúde nada mais se pode fazer!), deveriam ter o mínimo dos meios (incluindo neste caso os gasóleos), para socorrerem as urgências que não podem esperar.

b)     Doentes de baixa e alimentação. Não queremos referir a questão das carestias ocasionais de medicamentos. Queremos lamentar o problema dos doentes que, estando de baixa nos nossos hospitais distritais públicos, muitas vezes somente têm médico/enfermeiro, medicamento e cama: não há comida! O doente deve ser alimentado pelos seus acompanhantes. Os tuberculosos que para sua cura devem tomar doses pesadas de medicamentos, lá vão meses que não têm assistência em comida. Chegando-se ao ponto de dispensá-los por falta de comida.  Isto está ficando uma situação normal, mas sujeita a mil e uma interpretações populares. Será que basta o não há comida da servente? Não haveria uma maneira de o governo distrital aproximar mais os doentes e partilhar com eles as razões por que este e aquele serviço que lhes é devido por direito não lhes é dado? Porque, quando a gente é mal informada, geram-se “fofocas” e mal-entedidos.

Senhor administrador
Senhor Secretário Permanente
Não temos a pretenção de esgotar neste papel as preocupações que nos afligem para bem do nosso povo. Quisemos simplesmente ser uma “mãozinha”  nesse grande combate contra estas pobrezas que nos atormentam no dia-a-dia.
Aproveitamos a ocasião para mais uma vez saudar vossas excelências e todos os membros do nosso governo distrital, com os votos de bom trabalho e grandes bênçãos do bom Deus.

Nahage, 08 de Fevereiro de 2012


Padre Alexandre Caetano

                                                                                           (voltar ao texto síntese do processo, de 2013)